Eu estou em algum lugar.
Minha alma está nua
E os meus pés, no asfalto,
No meio da rua.
O ódio brilha em meus olhos,
E meu braço se estende.
Ombro diz "por ali",
Pra rasgar algum caminho,
Pra poesia seguir.
A cidade é imensa,
E eu estou em toda ela,
Caminhando ou parado,
Eu estou espalhado,
Por entre prédios e nos topos,
Nas avenidas e parques,
Na beira mar, nos esgotos,
Nas praças, nos namorados,
Nos hortos e nos desejos,
Nos monumentos, teatros,
Nos coletivos e nas moradas.
Meu ódio corre em minhas veias
E nas veias da cidade,
E a poesia se engendra
Em alta velocidade,
Desde o topo do penedo
Até cada pontezinha
Até a terceira ponte,
Em cada morro ou monte,
O ódio em meu gesto tosco...
Aponto co'a mão aberta,
Em direção a algum rumo.
Não sei aonde vai dar,
Mas sei que a poesia
Precisa correr nas ruas,
Nas rodas dos importados,
Nas portarias das festas,
Nas faixas de segurança
E nos atropelamentos.
É odiando que se ama,
E a poesia é profana,
Deus quer o que não se inventa.
O ódio é o mar do mundo,
Contra as pedras do que dura,
Esfarelando cultura,
Cultura é o que engessa.
E o ódio esfarela,
O ódio faz tudo novo.
A cultura não caminha.
Não vê cantos da cidade.
Não vê as luzes da noite
Nem os calores do dia.
Cultura é escritório,
É protocolo e carimbo.
Cultura é pai de família,
Família, lei e respeito.
Cultura é tudo de novo,
São rituais intocáveis,
Que calam a poesia.
Mas poesia é ódio,
Meu pé no asfalto da rua.
Meu gesto é antivanguarda,
Nem tem direção, sentido.
Meu gesto é ódio amorfo.
Aponta pra nenhum lugar,
E eu me espalho no mundo.
Meu gesto é desorientado,
E eu estou por todo lado.
Não nasci pra ter lugar.
Minha casa tem espinhos,
Nas cadeira, nos sofás.
Camas e móveis de espinho,
Paredes, tetos e portas!
Mal posso girar maçaneta
Antes de fugir.
Só tenho casa no mundo.
Só tenho conforto assim,
Minha posição confortável
É caminhando.
É ódio, amados, ódio!
Só com ódio se pode amar.
Rearranjo minhas vísceras,
Porque elas também caminham,
E é preciso caminhar...
Cada passo nessa estrada,
Nesse caminho de curvas erradas,
Me levará a perigos
Que eu pretendo afirmar!
Perigo é poesia,
E quem não quer poesia
Tá querendo se salvar.
E eu digo não
A toda salvação
Que não seja ódio e verso,
Que não seja poesia,
Que não seja a cidade
Completamente afogada em caos.
Nossa Senhora da Penha,
Cesar Hilal.
O trânsito para em mim.
Os carros param pra pensar,
Mas as almas, nos olhos, correm,
Viajam pra muito longe
Ou muito perto dali.
Poeta desesperado,
Poeta Praça do Papa,
Poeta Ayrton Senna,
Poeta Gruta da Onça,
Poeta Bento Ferreira,
Poeta Forte São João,
Poeta Ilha do Boi,
Poeta Aeroporto,
Poeta Praia do Canto,
Poeta por todo canto,
Poeta atropelado,
Miolos espedaçados.
Eu sou toda essa cidade,
E toda a cidade é eu,
E ódio é poesia,
Diversidade.